quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sem palavras...

Pelas mãos de um obstinado mestre, a sofisticada arte de preparar cafés, ofício dos baristas, está ao alcance de jovens da periferia carioca. Seguindo os acasos do destino e aprendendo com os próprios insucessos, o mineiro radicado no Rio de Janeiro Emílio Rodrigues é hoje dono de um bem-sucedido curso de formação de baristas na capital fluminense, ganha dinheiro ensinando uma profissão em ascensão a clientes que investem na carreira e ainda a jovens carentes que jamais teriam acesso às sutilezas do mundo do café.
O costume do cafezinho no Brasil virou profissão para Emilio Rodrigues, que caiu de paraquedas na busca pela xícara perfeita, objetivo diário dos baristas, como ele define a profissão. Há sete anos, porém, o então psicólogo jamais iria se imaginar atrás do balcão separando grãos e convivendo diariamente com o aroma de café recém-passado. Tudo começou com a vinda de Rodrigues para o Rio de Janeiro, abandonando um doutorado na Espanha para cuidar da mãe, diagnosticada com um câncer fatal. Precisando de um trabalho no Rio, ele lembrou da fazenda dos primos no interior mineiro e decidiu ir lá buscar alimentos para abrir uma loja de compotas. \"Minha ideia inicial era vender tomates secos em lata, mas aí eu cheguei na fazenda e lá só tinha café\", brinca Rodrigues.
O jeito foi se adaptar ao que a casa oferecia e se debruçar em livros sobre aroma, cultivo, processamento e moagem. De estudante, que voltou pro exterior para aprender a arte do café em cursos na Itália, Espanha e França, ele foi para o lado oposto da sala de aula: assumiu o quadro-negro e abriu uma das primeiras escolas de baristas na capital fluminense. Tentando encontrar alunos, só conseguiu reunir dívidas. \"Eu vendia um curso que ninguém dava valor. Em 2004 as pessoas não sabiam o que era barista no Rio de Janeiro\", lembra. Mas foi endividado e movido pela vontade de ajudar que finalmente as coisas começaram a dar certo.
Procurado pelo Senac, Rodrigues começou a dar aulas de barista para jovens de baixa renda. O curso era para formação de bartender, mas com dois módulos voltados somente para o café. \"Dos 70 alunos do curso, no final todos decidiram se tornar baristas. Mas ninguém vira especialista com 2 módulos. Então fiz a escolha mais difícil da minha vida. Levei 15 alunos para minha casa e ensinei eles a fazer café de qualidade. Na hora que eu esqueci o dinheiro e dei aula de graça foi que a coisa virou. As pessoas começaram a ouvir falar, se interessar e me procurar\", conta.
O mineiro até pode ter entrado no mercado do café por acaso, mas com certeza nasceu predestinado a fazer o bem. Depois de formar 15 alunos, Rodrigues começou a ser tão procurado para ministrar cursos e para dar aulas que se sentiu pronto para reabrir a escola de especialistas em café. Com vista para o Pão de Açúcar, em Santa Tereza, no Rio de Janeiro, A Casa do Barista é um centro de formação de baristas que promove cursos, workshops, consultoria e eventos, além da venda de utensílios e equipamentos para a preparação da bebida. Essa é a renda, e a paixão dele, diga-se de passagem. Porém, o projeto social que incitou tudo isso continua ocorrendo. Rodrigues recebe anualmente uma turma de jovens cariocas de baixa renda e os capacita a ter uma profissão. Mas além de ensinar coisas como cultivo e processamento, o professor procura mostrar para os alunos a importância de olhar para o próximo.
Uma dessas misturas de café com solidariedade decaiu sobre a Fazenda Sant\'Ana, localizada na pequena cidade de Olímpio Noronha, Sul de Minas Gerais. Região de ótimo cultivo de grão cafeeiro, o local pertence a Maria Aparecida Pereira. Ao fazer uma visita à propriedade rural, para conhecer o café da região e possivelmente o comercializar, Rodrigues ficou sensibilizado com as condições da sede. Os papéis de parede já mofados, o fogão ainda a lenha e as rachaduras nas construções deixavam tudo com um ar bonito de nostalgia e até remetiam aos cafezais do Brasil em 1800, porém a necessidade de reforma e restauração era da mesma forma urgente.
Depois que voltou para sua rotina de barista no Rio, Rodrigues percebeu que sua cabeça tinha ficado na Fazenda Sant\'Ana. Queria ajudar e melhorar as condições de moradia para a proprietária, Aparecida, com mais de 90 anos, e ajudar também a preservar a história do local. Rodrigues tirou dinheiro do bolso e propôs para os alunos uma troca. \"Eles iriam comigo até a fazenda e me ajudariam com mão de obra a reformar a sede. Em troca iriam aprender no campo toda a produção do café\", explica. Ele, acompanhado de 13 jovens da periferia carioca, passou uma semana pintando, construindo e \"tirando teia de aranha\", como comenta, da casa de uma família que mal conhecia. \"O mais bonito é que essa turma que me ajudou é a de maior aproveitamento. Quase todos estão no mercado trabalhando como baristas, como professores e até mesmo como jurados de concursos de café\", diz.
Especial para Terra

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