sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

MIXOLOGIA MOLECULAR - UM NOVO CONCEITO DE BAR


MIXOLOGIA

Mixologia molecular é o novo conceito que toma conta da coquetelaria no Brasil e no mundo. Bartenders modernos trabalham processos como emulsificação, esterificação e outros com espumas para criar verdadeiras obras de arte sensoriais nos copos e nas taças.



Você já imaginou algum dia beber uma versão sólida do famoso drinque Sex on the Beach? Em forma de pastilhas? Se sua resposta foi não, prepare-se para conhecer uma nova tendência no mundo da coquetelaria: a mixologia molecular. Esse novo conceito vem ganhando o mundo desde 2005, quando drinques inusitados passaram a fazer parte do cardápio de bares descolados das grandes metrópoles. E qual é a grande sacada? A releitura de clássicos como Cosmopolitan, Bellini, Kir Royal, abrindo a possibilidade de uma nova interação com esses ícones da coquetelaria. Além disso, a utilização de ingredientes totalmente inusitados para as taças: caldo de carne, sais aromatizados, ostra, pepino, ovo, entre outros.
A teoria da mixologia molecular vem da gastronomia molecular do catalão Ferran Adrià, conhecido por trabalhar seus pratos baseado na culinária tecnoemocional. As esferas, gelatinas, emulsificações do chef conquistaram as taças. Esse conceito foi desenvolvido no final dos anos 1980 pelo físico húngaro Nicholas Kurti e pelo químico francês Hervé This, que inspiraram Adrià a trabalhar com novas experiências. “Hervé This começou a fazer vários questionamentos, como, por exemplo, qual o processo que faz a clara fi car em neve?
Ele resolveu estudar esses processos de maneira científica”, conta Herbie, mixólogo e sócio-fundador da Drink Designer. O resultado disso? Os drinques ganharam novas texturas, aromas e sabores, além de apresentações criativas.
Hoje é possível degustar esferas de Mojito ou de Bellini, Piña Colada em espumas, entre outros. “Quando a gastronomia deixou de ser apenas culinária, com a busca da valorização dos aromas, as técnicas gastronômicas começaram a ser trazidas para o bar”, diz Marcio Silva, mixólogo premiado que assina as criações do bar Sub Astor.
Aguçar os sentidos dos degustadores é um dos principais objetivos de um drinque molecular. Suas bases estão ligadas aos princípios da coquetelaria. “Você pode fazer uma releitura ou descaracterizar um drinque. Mas existem regras, e para improvisar você precisa conhecer o clássico. Quando solidificamos uma mistura líquida existem condições a serem respeitadas, dosagem a serem seguidas”, diz Herbie. “Para mim, um drinque é bom se tiver muitos aromas e sabores em um único gole”. Uma das criações de Herbie é utilizar o algodão-doce para adoçar uma caipiroska de morango. “Um algodão doce é composto de cristais de açúcar. Ao ser colocado na taça, ele evapora com o líquido. O objetivo é causar o máximo de sensações. São drinques sensoriais.”
Para o mixólogo Marco De la Roche, ao receber em sua mesa um drinque feito à base de esferas, o cliente precisa entender o que há dentro delas. “Você precisa convidar o cliente a provar e se abrir para uma nova experiência com o drinque”, diz o especialista.

UM AMBIENTE ESPECIAL
O ambiente de trabalho de um mixólogo está mais para um laboratório de experiências físico-químicas do que para uma bancada de bar. Tubos de ensaio, seringas, pós químicos, fogão elétrico, balanças de precisão... O bartender da nova geração hoje trabalha com instrumentos de físicos e químicos em busca de espumas, esferas e emulsificações. Para Marcio, que passou grande parte de sua trajetória profissional trabalhando como bartender fora do Brasil, é preciso ter uma estrutura especial para fazer os drinques. “Na carta do Sub Astor, só tenho dois drinques moleculares, pois é preciso ter um ambiente apropriado para provocar calor e frio, fazer infusões, vácuo. E isso é muito complicado.”
Uma das criações de Marcio disponíveis no cardápio do Sub Astor – um bar que segue os moldes dos speakeasiers, bares de subsolo que fi zeram muito sucesso em 1919, quando havia as restrições da Lei Seca – é um suco de tomate tempeerado com esferas de vodca e gim. O outro é a espuma de margarita, que leva a tequila, mas em vez do sal na borda traz uma espuma do licor Contreau, sal e limão. “Eu procuro equilibrar o drinque em aroma e álcool. A base é sempre o álcool, mas a partir daí procuro trabalhar agentes aromatizantes para direcionar se essa base vai ser doce, salgada, amarga ou azeda.
Em seguida, analiso o copo com a textura bucal, ingrediente que será utilizado para dar a sensação de cremoso, pastoso ou gaseificado. Em um drinque molecular é sempre importante
manter uma parte líquida.”
Um dos projetos de Marcio já está em andamento. Ele está escrevendo um livro sobre mixologia molecular e trabalhando na criação de várias edições de cardápios de bebidas para o Sub Astor.
“O brasileiro está aberto para esse novo conceito de mixologia molecular, pois é um público que viaja muito e conhece outro tipo de cultura e tem acesso à informação. Volta mais aberto para experimentar o novo, por isso a curiosidade é sempre seu primeiro contato com esse tipo de drinque”, diz.

SPLASH NEGRO E DRINK DESIGNER
Antes de trabalhar com coquetelaria, Herbie já foi sommelier no restaurante DOM, de Alex Atala, em São Paulo, e na importadora Expand por vários anos. “Eu fi cava fascinado com a química dos líquidos, como era possível obter vários aromas e sabores com vinhos feitos com uvas diferentes.” Já no universo da coquetelaria, Herbie trabalhou incessantemente nos testes de misturas de frutas, especiarias e da solidificação de líquidos. “Fizemos a redução de frutas em gel. Um dos resultados é a bebida Splash Negro, feita com frutas negras. As pessoas saem apaixonadas e divulgam que tomaram um drinque sólido.” Outra criação de Herbie é a versão esterificada para o Bellini, feito com esferas de néctar de pêssego. “Elas explodem na boca, dando uma sensação única de potencialização dos sabores.”
Para o sócio da Drink Designer, a tendência é a construção de algo novo nessa área de drinques. “Assim como para o vinho tem o ritual de abrir a garrafa, degustar, conversar sobre o rótulo, os drinques moleculares também vão para esse caminho.” Henrique Medeiros, barman do restaurante Kinoshita, é fã das espumas. Combina espuma de jamelão com vodca e maçã verde, e não usa sifão. Faz a espuma na própria coqueteleira e não dispensa gelatina para solidificar o saquê de seu martíni, servido com instruções: comer a barra de saquê e depois dar um gole na bebida.

DESCONSTRUINDO O CONHECIDO
A mixologia molecular envolve várias matérias-primas. Esse universo também pode incluir o café, bebida amada pelos brasileiros que possui uma imensidão de aromas e sabores a serem explorados pelo novo conceito. Há dez anos trabalhando com bebidas, o mixólogo Marco De la Roche tem no café um dos grandes desafios para criar drinques moleculares.
Para ele, é um produto fantástico a ser trabalhado. “As pessoas acham que o café tem que ser preto, líquido e caber na sua mão. Imagina transformar o café em uma película, o leite em esferas ou fazer um caviar de café. A princípio, tem que fi car tão gostoso quanto a versão líquida.”
Para De la Roche, é possível trabalhar outros ingredientes com o café, longe da mesmice de produtos como baunilha, caramelo, avelãs, chocolate, entre outros. “É criar aromas nunca feitos, desconstruindo o conhecido”, diz o profissional, que já trabalhou na cafeteria Santo Grão e agora integra a equipe de professores da escola de barismo da Suplicy Cafés Especiais. Uma das disciplinas é sobre técnicas de mixologia molecular aplicadas ao café. “Temos que pesquisar e testar. Acontecem muitos erros antes dos acertos”, diz. Se depender do mixólogo, os drinques moleculares ainda vão fazer a cabeça de muita gente. Saúde!

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